O que é psicanálise? Parte IV

Um breve recorte da história dos sonhos

A manifestação onírica teve, ao longo da história e conforme seu contexto, características próprias e funções peculiares. Para Hipócrates (séc. IV a. C.), os sonhos ruins eram sinal de doença ou de uma conduta inadequada com a alimentação, para outros interessados, tinham o caráter de mensagem e necessitavam ser interpretados. Na antiguidade, muitas pessoas recorriam à prática da incubação, ou, sonhos provocados, para alcançar uma cura. O cristianismo, embora com reservas, considerou alguns sonhos como uma prerrogativa divina destinada a poucos; tinham, ainda, o caráter curativo, como por exemplo, os fiéis que sonhavam com São Francisco e alcançavam a cura de uma doença, fatos que proliferaram nos registros hagiográficos do período medieval.
As funções e interpretações em relação aos sonhos não se restringem a um recorte espacial, nem temporal. Assim, é possível encontrar relatos da prática da incubação, ou, sonhos provocados, na época de Hipócrates, passando por Aristides (séc. II d. C.), que penetraram nas formas de devoção e de culto do cristianismo, como ilustram, por exemplo, os movimentos de peregrinação aos túmulos dos santos, especialmente nos períodos antigo e medieval. A prática divinatória dos sonhos se estendeu por um longo tempo na história e, quando Artemidoro (séc. II) escreveu seu livro A chave dos sonhos, ele fez referências claras às diversas fontes a que havia recorrido: os onirocríticos mais antigos e os adivinhos de praças públicas.
O sonho como prerrogativa é uma característica muito presente nocristianismo, aparecendo de forma abundante na hagiografia. Ao mesmo tempo, os sonhos, na vida monástica, tinham a função de indicar o “grau de pureza” e sinceridade no coração, de acordo com a suspensão, ou não, dos sonhos que manifestavam fantasias e desejos libidinosos, a eterna vigilância foi uma norma na vida monacal.
Calderón de La Barca (séc. XVII d. C.) abordou o sonho em seu aspecto consolador frente ao destino inexorável do homem: a morte. Salazar (séc. XVII d. C.) considerou os “sonhos epidêmicos” que versavam sobre a aparição das bruxas, como um “efeito colateral” da perseguição maciça que se fazia a elas na época.