O que é psicanálise? Parte III


Os sonhos como ponto de partida

Freud, a partir de sua prática clínica, estabeleceu suas concepções, questionando e influenciando a psicopatologia ao mesmo tempo em que delimitava um campo específico do saber. Ainda que nunca tenha abdicado formalmente da existência de um substrato orgânico na origem das neuroses, Freud foi além. Descaracterizou a ruptura entre o normal e o patológico, postulando um continuum entre um e outro. Nos textos, A Interpretação dos Sonhos (1900), A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901) e Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente (1905), é possível identificar como vai se estabelecendo este continuum sustentado pela suposição de processos inconscientes.
Coube a Freud elevar o sonho à categoria de paradigma na pesquisa dos fenômenos psíquicos, elegendo-o como primeiro membro de uma classe, na qual outros se sucederiam: as fobias histéricas, as obsessões e os delírios.
Certamente, Freud não acreditava em bruxas, no entanto não duvidou da sua
existência, ainda que nas entrelinhas dos discursos de seus pacientes. Neste sentido, o inquisidor Alonso Salazar, intuiu a visão de Freud dois séculos antes. Na abertura do prefácio à primeira edição de sua obra A Interpretação dos Sonhos, Freud anunciou com uma frase a empreitada a que se propõe: Flectere si nequeo superos, acheronta movebo, ou, “se não posso curvar os deuses celestiais, moverei os do inferno‟.
Assim, o sonho, tomado por Freud como paradigma do inconsciente, inaugurou uma via, ao mesmo tempo, íntima ao sujeito e universal em seu reconhecimento, edificando todo um saber sobre o psiquismo humano. Os sonhos são manifestações singulares, intransferíveis e não participam de um consenso coletivo, suscitando um estranhamento por parte daquele que sonha.